sexta-feira, 25 de março de 2016

Expedição ao Equador – 2ª parte (2011)

Texto por: Marcelo Delvaux

Expedição aos Andes equatorianos, quinta etapa do projeto Sete Picos Andinos.

Nesta do Equador foram escaladas quatro montanhas em sete dias, todas em solitário: Iliniza Norte (5126 m, 18/01/2011), El Corazón (4791 m, 19/01/2011), Cotopaxi (5897 m, 21/01/2011) e o famigerado Chimborazo (6310 m, 25/01/2011). 

Cotopaxi: "Mirando la abuela por la grieta"


No dia seguinte, quinta-feira, permaneci no hostal até o meio-dia. Após almoçar, eu o sr. Bladimir entramos em seu jipe e fomos para o Parque Nacional Cotopaxi. Menos de uma hora e meia depois já estávamos a 4500 m de altitude, no "estacionamento" do refúgio José Ribas, que se encontrava em algum lugar 300 m acima. Digo em algum lugar porque, ao contrário dos dias anteriores, o tempo estava totalmente fechado e eu não podia, nem de relance, ver a silhueta do Cotopaxi, quanto mais identificar o refúgio no meio da neblina e das nuvens. Após combinar o horário em que o sr. Bladimir me buscaria no dia seguinte, iniciei minha subida "às cegas". Só pude avistar o refúgio quando quase "tropecei" no mesmo. Seria possível subir a montanha com esse tempo?

Logo após minha chegada começou a nevar. E nevou, nevou, nevou. Deve ter nevado até umas 23:00. Ao contrário da última vez que estive ali, não havia muitas pessoas no refúgio. Seriam somente 3 cordadas escalando a montanha e eu subindo solo. Uma das cordadas era formada por 2 suíços com seu guia. As outras eram duas duplas, ambas lideradas por guias profissionais do Equador. Em uma dessas estava a Rosa, montanhista equatoriana que iria tentar o Cotopaxi pela segunda vez.

Passei o resto do dia me hidratando e conversando. Às 18:00 comi um caprichado macarrão liofilizado e fui dormir. Pouco depois das onze horas da noite levantei para ir ao banheiro e a Rosa e seu guia já estavam tomando seu "desayuno" e se preparando para sair. O tempo continuava fechado, creio que ainda nevava, e eu resolvi dormir mais um pouco. Acordei meia-noite e meia e iniciei minha subida uns quarenta e cinco minutos depois. Fui o último a sair do refúgio.

A rota normal atual é bem diferente daquela que eu subi na última vez que estive no Cotopaxi. A saída permanece a mesma, à direita do refúgio. Porém, sobe-se diretamente pelo glaciar em linha reta, ou melhor, em zig-zags que minimizam o esforço. Uma diferença marcante é que, agora, após os primeiros 200 m, se atravessa um verdadeiro labirinto de gretas. Estava bem tranquilo, todas as passagens e pontes de gelo estavam sólidas, somente uma demandava uma maior atenção. O único, porém, é que um traçado entre gretas não admite quedas, principalmente para quem está sozinho, sob o risco de se parar nas entranhas geladas da montanha.

À medida em que eu subia aumentava a quantidade de neve na rota, apesar do glaciar permanecer "franco", ou seja, com as gretas descobertas, consequência da nevada ininterrupta que caiu durante todo o dia. Ainda bem que saí por último, pois as outras cordadas estavam abrindo o caminho. Porém, este "conforto" não durou muito. Com uns 400 m ou pouco mais de subida eu ultrapassei os suíços e a outra dupla, que acabou por desistir do cume. Logo depois da metade alcancei a Rosa e seu guia, que já demostrava estar bem cansado e me agradeceu por assumir a dianteira.

Pela frente faltavam, ainda, mais de 400 m até o cume. Havia muita neve recente e a rota estava bem pesada. Eu me sentia muito bem e toquei para cima. A cada momento tinha que identificar onde estava a rota, pois não havia mais um traçado bem definido. Pelo menos não havia mais gretas. Cheguei na base de um grande serac (bloco de gelo) e passei a buscar uma saída pela direita, até chegar a uma encosta bastante íngreme, com muita neve depositada. O guia da Rosa gritou para que eu abrisse uma travessia horizontal com a pá do piolet. Trabalho ingrato e desgastante! Fui cavando e me equilibrando, formando um caminho horizontal que mal dava para as pontas dos pés. Olhei para baixo: uma greta imensa me espreitava, sinistra. Não podia cair, em hipótese alguma. Também temia por uma avalanche, pela quantidade de neve que havia naquela encosta íngreme acima de mim. Olhei para cima: dava para enxergar uma certa suavização da encosta mais à direita. Quis fazer uma diagonal em direção à direita, mas o guia da Rosa me disse para continuar na horizontal. Mais esforço e equilíbrio até que a cordada dos suíços nos alcançou e seu guia falou que já podíamos fazer a diagonal que eu imaginava, se prontificando a assumir a dianteira.

Parei para respirar um pouco, esperei que os dois grupos passassem pela diagonal e segui adiante. Alguns metros mais acima todos pararam para descansar. Novamente assumi a abertura da rota, pois me sentia muito bem e não queria parar muito. Deviam faltar uns 300 m, no máximo, para o cume, e a inclinação se acentuava, do mesmo modo que a profundidade da neve. Ao amanhecer cheguei na base de outro serac e vi que seria preciso fazer uma diagonal para a esquerda, onde uma escalada vertical me aguardava. Um amigo que esteve em novembro no Cotopaxi já havia me dito sobre a necessidade de se escalar verticalmente um trecho no final da rota. Tirei o piolet técnico da mochila e, sem perder tempo, iniciei a subida usando os dois piolets em tração e cramponando frontalmente: era uma sequência vertical de uns 10 m, no máximo, com um gelo bastante duro nos metros finais. Mas lindo, com um visual de tirar o fôlego (ou seria a altitude?) em pleno amanhecer!


No final da escalada técnica pude ouvir um berro de um dos suíços, provavelmente um sonoro palavrão, ao me ver superando aquele obstáculo intimidador. No alto do serac é preciso contornar outros blocos até se retornar ao glaciar. Neste ponto parei para descansar porque, dali para cima, é bem inclinado e a neve estava profunda. E, apesar de fácil, a inclinação parece aumentar com a aproximação do cume. Estava na hora de colocar o coração na ponta dos crampons. A cordada dos suíços chegou quando me preparava para partir. Todos desabaram no chão, guia e gringos, exaustos. Fui abrindo caminho em zig-zag, me sentia uma formiga subindo pela bola de um sorvete. Quando pensava ter chegado ao cume, mais uma subida. Até que, repentinamente, aquela cratera gigantesca se abriu na minha frente. Cheguei ao cume!!! Eram umas 07:00, havia gasto mais de cinco horas e meia de escalada.



Caminhei em direção à borda daquele vulcão ainda ativo e, posso garantir, foi uma das visões de cume mais bonitas que eu já tive, me emocionei de verdade. O tempo que, na véspera, estava péssimo, nesta manhã havia se transformado totalmente. Céu aberto, sem vento e uma temperatura amena que permitia fotografar e filmar à vontade. Na minha frente descortinava-se, em seu esplendor indescritível, toda a "Avenida de los Volcanes", denominação dada no século XIX pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt àquela região do Equador que concentra uma quantidade impressionante de vulcões. Era possível identificar todas as montanhas, parecia uma aula de geografia: o Sangay, o Tungurahua, o El Altar e o Chimborazo, ao sul; os Ilinizas e o El Corazón, a oeste; e, mais ao norte, o Cayembe, além do Antisana quase a leste e do Sumaco já nas imediações da Amazônia. E muitas, muitas outras que, aos poucos, eu ia identificando, hipnotizado. De repente, o Sangay começou a soltar uma espessa fumaça negra. O quadro não podia ser mais completo e perfeito...


Pouco depois chegou um dos suíços, que se desencordaram no trecho final. Mais alguns minutos e estavam no cume os demais membros de sua cordada. Outro tempinho mais e vejo a Rosa se aproximando junto com seu guia. Que legal, ela estava conseguindo, fiquei muito feliz por ela! Peguei minha câmera e fui documentar a chegada da Rosa. Falei para ela sorrir para a foto, mas, tanto ela como seu guia, somente conseguiram me dirigir o olhar em seus esforços finais. Porém, pude perceber que ela me sorria com os olhos.



Devo ter ficado mais de meia hora no cume, já que não havia nenhum sinal de deterioração do tempo, que continuava perfeito. Filmei e fotografei à vontade. A Rosa teve uma ideia genial para compor uma foto, juntando nossas mãos e formando uma circunferência, enquadrando a cratera no centro. Incrível essa foto!


O principal perigo da descida no Cotopaxi, como em qualquer montanha no Equador, é que as condições da neve pioram sensivelmente com o aumento da temperatura, após o amanhecer. Por isso procurei não abusar e iniciei minha descida, sendo seguido, pouco depois, pelos demais. A descida foi tranquila e rápida, o único lance mais difícil e de maior risco foi desescalar o serac, além da atenção com as gretas. Acabou saindo um sol fortíssimo, tive que tirar todas minhas camadas de roupa e fiquei de camiseta. Ganhei, com isso, um nariz queimado, apesar da generosa porção de protetor que coloquei no rosto.


Lá pelas 10:30 e eu já estava lá no "estacionamento", onde o sr. Bladimir me esperava. Voltamos para El Chaupi e de lá fui para Quito, onde passei o final de semana descansando e me preparando para o desafio supremo, o Chimborazo.

No sábado a Rosa me levou para subir uma "montanhazinha" de 3500 m nas proximidades de Quito, o Cerro Ilaló, no vale de Los Chillos, um mero passeio matinal para os quiteños, mas mais alto que qualquer montanha no Brasil! Uma bela caminhada, muchas gracias Rosa. Também passei o final de semana monitorando o tempo para identificar o melhor dia para subir o Chimborazo. Os prognósticos que eu obtive apontavam para a madrugada de segunda para terça-feira. Resolvi, então, ir na segunda-feira para Riobamba e, lá chegando, partir direto para o refúgio Whymper e atacar o cume naquela noite.

Álbum de fotos:


Vídeo da expedição:

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