Texto por: Marcelo Delvaux
O Coropuna é uma montanha
gigantesca, um complexo vulcânico com 3 cumes independentes e, pelo menos, 4
outros cumes secundários. Os cumes independentes são o principal do Coropuna
(6425 m), o Coropuna Casulla (6377 m) e o Coropuna Leste (6305 m). Já os cumes
secundários são o Coropuna Leste II (6234 m), o Nevado Pallacocha (6171m), o Coropuna
Central I (6150 m) e o Coropuna Central II (6161 m).
O cume principal é o mais fácil e
acessível de todos, e o único escalado com mais frequência. Já aclimatado à
altitude, é possível subi-lo em 3 dias, contando os deslocamentos de ida e
volta desde a cidade de Arequipa. Já os demais cumes são mais isolados e com
pouquíssimas ascensões registradas. Isso nos motivou, a mim e à minha
companheira, a guia argentina Julieta Ferreri, a realizamos duas expedições nos
meses de junho e julho para explorar os outros dois cumes independente do
maciço, o Coropuna Casulla (6377 m) e o Coropuna Leste (6305 m).
Na primeira expedição, realizada
entre os dias 12 e 20/06, subimos o Coropuna Casulla (6377 m), também conhecido
como Coropuna Norte, além do Nevado Pallacocha (6171m) ou Coropuna Oeste.
A primeira ascensão ao Coropuna Casulla foi realizada em 1952 pelo famoso montanhista
italiano Piero Ghiglione, junto com o não menos famoso Mathias Rebitsch, além
de Manuel Montañez e Victor Motta, através da face noroeste. Já o Nevado
Pallacocha foi escalado pela primeira vez somente em 1974 pelos alemães Hans
Raum e Heinz Thater, por uma rota que não conseguimos apurar. Consultando os
registros do American Alpine Journal
(1962, 1975, 2013) e a obra de referência de Jill Neate, Mountaineering in the Andes, encontramos pouquíssimas menções a esses
cumes, somente o registro de uma ascensão ao Coropuna Casulla realizada em 1984
por Mike McWherther, além de uma expedição de glaciologistas executada em 2004
que, possivelmente, escalou esses dois cumes.
A rota que utilizamos na primeira
expedição foi através do glaciar localizado na parte noroeste da montanha,
tendo sido estabelecidos 4 acampamentos: C1 (5057 m), C2 (5357 m), C3 (5823 m)
e C4 (6020 m). Os acampamentos C3 e C4 foram instalados no imenso campo de gelo
do Coropuna, que corresponde ao segundo maior campo de gelo do mundo fora das
regiões polares (o maior campo de gelo com essas características encontra-se na
Cordilheira Vilcanota e se chama Ritipampa de Quelccaya).
Realizamos as ascensões ao Nevado
Pallacocha e ao Coropuna Casulla a partir do C4. O Nevado Pallacocha foi
escalado por sua face sul, a partir do colo que o separa do cume principal do
Coropuna. Já o Coropuna Casulla foi escalado pelas arestas sul e leste. Não encontramos
nenhum vestígio de ascensões anteriores ao longo dessas rotas. Tampouco
encontramos sinais de acampamentos ou de trilhas nas morrenas que dão acesso ao
glaciar noroeste, por onde subimos. Consultamos o guia de Arequipa Carlos
Zárate, profundo conhecedor da montanha, e ele nos confirmou que não sabe de
nenhuma ascensão realizada através do glaciar noroeste. Segundo Zárate, a
expedição de glaciologistas que realizou estudos no Coropuna nos anos 2000
acampou no campo de gelo, próximo de onde montamos o nosso C4, mas entraram na
montanha por outra rota. Portanto, para o Nevado Pallacocha e ao Coropuna
Casulla, muito provavelmente abrimos uma nova rota pelo glaciar noroeste. E, certamente,
foi a primeira ascensão brasileira (de minha parte) e argentina (da parte da
Julieta) a esses cumes.
Os únicos vestígios que
encontramos foi uma trilha com pegadas de animais (possivelmente vicuñas),
orientada no sentido norte-sul na cota de 5000 m, que utilizamos para regressar
à estrada que leva à cidade de Cotahuasi. Ao longo dessa trilha descobrimos
três locais com diversas apachetas (pilhas de pedras) e, aparentemente, restos
de cerâmica. Dois desses locais tinham uma vista privilegiada para os nevados
Coropuna e Solimana, que eram montanhas sagradas para os incas e para os povos
originários da região. Como essas montanhas continuam sendo veneradas até hoje,
não podemos afirmar se se tratam de locais de culto moderno ou de sítios
arqueológicos antigos. O terceiro local não tinha vista para o Coropuna e o
Solimana, mas sim para o Nevado Firura e essa informação pode ser bastante
relevante, pois pode indicar que esse nevado também era (ou continua sendo) uma
montanha sagrada.
Na segunda expedição, que
realizamos entre os dias 2 e 8 de julho, partimos para a ascensão ao Coropuna
Leste (6305 m), seguramente o mais remoto de todos os cumes do Coropuna e que,
por isso, é raramente visitado.
Foi uma expedição dura, com uma
longa aproximação desde o passo localizado na estrada entre Viraco e Andagua.
Como só podíamos contar com transporte público para chegar à montanha, tivemos
que descer nesse passo, situado a 4963 m de altitude onde o ônibus nos deixou,
e caminhar por 3 dias até o glaciar que escolhemos para chegarmos ao cume
leste. Montamos 4 acampamentos, antes da subida final ao cume: C1 (4875 m), C2
(4951 m), C3 (5055 m) e C4 (5537 m).
Da mesma forma que para o
Coropuna Casulla, que subimos na expedição anterior, existem pouquíssimas
referências sobre as ascensões realizadas ao Coropuna Leste, que foi escalado
pela primeira vez pela famosa montanhista americana Annie Peck em 1911, a mesma
que conquistou o Huascarán Norte, na Cordilheira Blanca, na época tida como a
maior montanha do Peru (depois se constatou que o Huascarán Sul era mais alto).
Nos registros do American Alpine Journal, além da ascensão de Annie Peck,
somente encontramos a menção de uma escalada realizada em 1966 por Richard R.
Culbert e sobre a expedição de glaciologistas realizada em 2004.
Para essa escalada nós subimos
pelo glaciar nordeste, cujas condições estão bem mais difíceis que o glaciar
noroeste que utilizamos na ascensão do Coropuna Casulla. Enquanto a rota do
Coropuna Casulla pode ser graduada em F, a rota que seguimos no Coropuna Leste
merece, pelo menos, um PD. A entrada do glaciar estava bloqueada por imensos
seracs (blocos de gelo), além de apresentar muitas gretas, levando-nos a uma
rota mais direta pela face noroeste até o cume falso e, daí, seguindo para o
cume verdadeiro, que em meu GPS marcou 6317 m.
O regresso foi feito pela
Quebrada del Río Blanco no lado norte da montanha, onde montamos um C5 (4706 m),
e gastamos mais 2 dias para chegar até a estrada que passa pelo lado oeste da
montanha, onde é mais fácil de conseguir transporte, e que leva até a cidade de
Cotahuasi. Segundo Carlos Zárate, ele já havia subido por essa quebrada, mas entrou
no glaciar sem escalar o Coropuna Leste. Também não conhece nenhuma ascensão
realizada a esse cume através dessa rota. As ascensões conhecidas ao Coropuna
Leste de Annie Peck e de Richard R. Culbert partiram desde Viraco, pelo sul. No
caso de Culbert, a subida foi realizada pela aresta leste, entre um pico
secundário localizado no extremo leste do maciço e o Coropuna Leste. Nossa
escalada foi realizada pela face noroeste, muito provavelmente uma nova rota a
esse cume. E certamente a primeira ascensão brasileira (e também uma primeira
ascensão argentina) ao Coropuna Leste.
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